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NATO OTAN – Punisher

“Durante a noite de 29 de agosto de 1995 o BH HQ entrou de alerta máximo. Nós fomos avisados para tomarmos providências na casa dos Team, porque eram esperados ataques aéreos a qualquer momento. À noite deitei-me em cima da cama completamente fardado, com o colete vestido e o capacete na cabeça. Houve só o cuidado de alargar todas as presilhas, atacadores, cintos e fivelas, para não cortar a circulação enquanto passava pelas brasas.

 Às primeiras horas do dia 30 de agosto, a OTAN (NATO) lançou a Operação Deliberate Force, uma campanha aérea para eliminar as armas pesadas dos sérvios em redor de Sarajevo. Os sérvios tinham confundido a postura imparcial da ONU com neutralidade. A ONU não é Neutral, é Imparcial. A grande diferença entre os dois conceitos era que a Imparcialidade significava julgar as ações e apontar o dedo e atuar em relação a quem atua erradamente.

A partir daquele momento, a UMPROFOR estava abertamente a colaborar com a OTAN, na condução de operações militares contra uma das fações combatentes – os Sérvios.

Na casa dos Observadores Militares da ONU continuávamos a respeitar o procedimento de “Blackout” para os sérvios não fazerem fogo retaliatório sobre nós.

 As explosões e o som dos caças foram uma constante madrugada dentro. Ao raiar do sol, envergámos os capacetes e os coletes e viemos para o pátio ver os aviões de ataque ao solo A-10 – Thunderbolt II – também conhecidos por “Warthogs” [Javalis]. Os A-10 circulavam ruidosa e lentamente a cerca de 5000 pés (1600 m) sobre Sarajevo. Era por demais óbvio que as plataformas de misseis antiaéreos sérvios já tinham sido destruídas durante a noite. Os A-10 executavam voltas amplas em Patrulha Aérea de Combate (CAP). Pareciam um bando de aves predadoras, em busca de movimentos das presas no solo. Espaçadamente uma aeronave descia lá de cima e abria fogo sobre as posições sérvias nas montanhas que nos rodeavam. O som do conjunto dos sete canhões rotativos de 30 milímetros – Avenger – era inconfundível. Dir-se-ia que estava uma moto de grande cilindrada a fazer acelerações no céu. O som do canhão sobrepunha-se ao ruido das turbinas dos jatos. Cada aceleração era uma rajada do Avenger, com cerca de dois segundos de duração. Em cada A-10, os sete canhões rodavam sobre um eixo central, disparando um total de 70 projéteis por segundo. Cada bala tinha aproximadamente as dimensões de uma bisnaga de pasta dentífrica, com um revestimento de metal particularmente duro para penetrar blindagens – o famoso Urânio Empobrecido. Quando os A-10 disparavam, ficava um rasto de fumo branco no céu, parecido com o que os aviões deixam quando fazem acrobacia. Os rastos provocados pela pólvora queimada dos 140 disparos do canhão formavam traços curtos, como um código morse escrito no ar. Na zona dos alvos, era o inferno tornado realidade. Os projeteis, ao embaterem na encosta, provocavam grandes labaredas e alguns ricocheteavam de novo para o ar, ainda incandescentes. Devido à grande concentração de balas, parecia que uma larva de fogo subia a montanha em cada disparo. Viam-se pedaços de grandes pinheiros a saltar, como se fossem palitos e erguiam-se colunas de fumo e de terra em cada impacto. Os sérvios estavam a passar um mau bocado. Em seguida os pilotos dos A-10 saiam do lento voo picado numa exigente puxada para ganhar altitude, rolando as asas do avião em parafuso, enquanto ofereciam um espetáculo de fogo-de-artifício disparando engodos flamejantes – flares – com o objetivo de iludir possíveis misseis antiaéreos com sensores de calor.

Na parte Sul da cidade, viam-se grandes colunas de fumo, resultantes do ataque com bombas às instalações de Lukavica por caças-bombardeiros F-16 da OTAN. Mas esses aviões não eram visíveis, só se ouviam, porque largavam as armas a uma altitude considerável e a sua velocidade, em conjunto com a sua pequena dimensão e a cor cinzenta, tornavam-nos invisíveis ao observador no terreno.

Aproveitando a postura retraída das tropas sérvias, a artilharia Bósnia abriu fogo “à vontade” sobre as posições conhecidas dos sérvios. Estes disparos dos bósnios não estavam coordenados com a aviação, introduzindo uma fator prejudicial no ataque dos A-10. Os aviões tinham de disparar de maiores altitudes, a fim de evitar a parábola descrita pelas granadas dos morteiros.

Na UNPROFOR, entrámos em Alerta Vermelho, o que significava que quem não estava de serviço não deveria sair de casa, para evitar baixas desnecessárias. Dentro de casa, era suposto passarmos a maior parte do tempo na cave que nos servia de bunker. Era suposto, mas ninguém para lá ia e estávamos todos no quintal a observar as manobras aéreas.

 Embora a razão iniciadora dos ataques fossem as armas pesadas em redor de Sarajevo, a OTAN estava a atacar as forças sérvias um pouco por toda a Bósnia-Herzegovina. No primeiro dia de ação da Deliberate Force, as aeronaves da OTAN fizeram mais de 300 saídas, atacando 23 objetivos sérvios. As plataformas de lançamento de misseis terra-ar (SAM) SA 3 e SA 6, montados em veículos com apoio radar, foram destruídas ou não se atreveram a ligar os sensores para não serem detetadas. Apenas uma aeronave aliada – um Mirage 2000 francês – foi abatida por um míssil portátil SAM – SA 7. Simultaneamente, no terreno, a aliança muçulmano-croata aproveitava os ataques aéreos usando-os como Apoio Aéreo Próximo (CAS) e atacava as posições sérvias na Bósnia Central e Ocidental. De notar que esta aliança muçulmano-croata, não estava em vigor a sul, na região da Herzegovina. Aí, os croatas mantinham as suas próprias forças – HVO – ativas e combatiam tanto os sérvios como os muçulmanos. Devido à sua superioridade militar, as forças sérvias – VRS – estavam mal entrincheiras. O seu modus operandi não era a defesa mas sim o ataque, explorando a permissidade da ONU. Desta forma, tudo lhes corria mal. Não tinham posições defensivas suficientemente solidas para aguentar ataques diretos dos caças da OTAN em simultâneo com iniciativas da tropa muçulmana. Não tinham pessoal das Nações Unidas como reféns, que lhes pudessem servir de escudos humanos. O mundo inteiro estava contra eles e a ONU tinha tomado um partido – e não eram eles. Durante duas semanas, a campanha aérea da Operação Deliberate Force não abrandou, lançando as bases para uma ofensiva terrestre da coligação muçulmano-croata.

 Os sérvios estavam particularmente irritados com tudo o que se referisse à aviação OTAN. A conselho da chefia UNPROFOR, retirei todas as referências à Força Aérea do meu uniforme de campanha. Embora pareça uma medida ridícula, a mesma provou ser ajuizada, uma vez que havia reportes de violência especificamente exercida sobre pessoal ONU oriundo de Forças Aéreas. Para agravar a situação, Portugal é membro fundador da OTAN, e os sérvios sabiam disso.

Por Paulo Gonçalves

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